Henry Cavil em o Homem de Aço (2013)

O Homem de Aço entrega ação, mas esquece o coração do Superman

Zack Snyder entrega espetáculo visual e ação intensa, mas sacrificando a esperança que define o herói

22/09/2025 às 3:46

Crítica por Lucas França

É um pouco difícil falar hoje em dia de Zack Snyder sem perder a objetividade. Depois de anos de polêmicas envolvendo a condução do Universo Cinematográfico DC, que nasceria com este filme, o saldo é: Quem gosta de seu trabalho, gosta. E quem não gosta, não gosta. 

Talvez um dos maiores expoentes das interações superficiais entre pessoas nas redes sociais nesta década seja o fato de que todas essas discussões intermináveis só existem para continuar existindo. Argumentos são disparados a esmo, sem que ninguém realmente convença ninguém; as pessoas apenas saem cada vez mais convictas das ideias com as quais ingressaram nas discussões. 

Imagem: Warner Bros., DC Comics.

No cinema, intencionalmente ou não, Zack Snyder virou um sinônimo enorme disso, ou pelo menos, o Universo DC que ele idealizou para os cinemas e que se inicia aqui: Revisitando de forma mais realista, trágica e consideravelmente mais sombria que a do primeiro e, alguns diriam, do mais importante super-herói.

O Superman, criado por Jerry Siegel e Joe Shuster em 1938,  perpassa gerações ao ponto de podermos dizer com segurança que não é mais um produto de uma empresa, e sim um ícone cultural sólido. Os elementos básicos desse personagem são conhecidos há décadas: um planeta morre, um foguete com o último sobrevivente cai numa fazenda, um jovem descobre seu passado conforme ganha poderes, vai para uma cidade grande e enfrenta um grande inimigo, apresentando-se ao mundo como defensor dos bons costumes e do caráter.

Imagem: Warner Bros., DC Comics.

Assim como fizeram no clássico de 1978 com Christopher Reeve, esses elementos estão aqui também. A novidade é a abordagem de Snyder ao contar essa história, enveredando por uma atmosfera muito menos fantasiosa de todos esses aspectos clássicos para trazer uma visão mais aproximada do que Christopher Nolan fez com sua trilogia de sucesso do Batman (2005-2012). 

O ponto é: O Superman não é o Batman. Ele é um personagem consideravelmente diferente na proposta. Esperançoso, otimista e colorido por natureza. Então, não é difícil deduzir o resultado que Snyder propõe com sua estética realista e cinza (e no caso, cinza mesmo). Essa decisão representa um desafio na condução da história, o que é até empolgante, e a sentimos no primeiro ato do filme, quando estamos nos acomodando com essa atmosfera. 

Mas a sensação é que a ambição de Snyder ultrapassou sua capacidade como contador de histórias. Para resumir: Ele consegue sim contar uma história autoral e prestar homenagem ao clássico. O problema de O Homem de Aço não está na adaptação, está na narrativa. Ao fim do filme, não passa uma impressão sequer de que essa versão do personagem é… “gostável”. É, na verdade, muito difícil criar qualquer empatia por ele. E isso é um tropeço enorme num filme sobre o Superman.

O diretor, sendo um fenômeno de popularidade no mínimo ímpar, tem seus valores como artista, sempre prezando pela própria autoria, sem interferências de estúdios, o que é muito frequente em blockbusters hollywoodianos. Desde o início de O Homem de Aço, essa autoria se faz notar. 

Diferente da cidade de cristais brilhantes do filme de 78, Krypton dessa vez é filmada em tomadas simulando câmeras reais mesmo que estejam em um ambiente criado em computação gráfica. Certos closes e tremidas pontuais sem perder o foco contemplativo das grandes estruturas abstratas do planeta asseguram bem a atmosfera e a assinatura de Snyder. 

Krypton então é concebido como um mundo fantástico, mas feio, que colapsa física e socialmente, com golpes de estado e possíveis guerras civis. O roteirista David Goyer argumenta que Krypton não teria outro destino que não a autodestruição, principalmente quando revelado por Jor-El que o planeta explode pois os Kryptonianos começaram a abusar dos recursos naturais. Até mesmo do núcleo de seu mundo.

E nessa introdução que somos apresentados a duas das figuras mais importantes do longa, antes mesmo do protagonista: Seu pai, Jor-El (Russel Crowe) e seu futuro inimigo Zod (Michael Shannon). O primeiro é retratado numa humildade casada com nobreza, as quais são a marca registrada do ator. Crowe firma sua presença quando entra em cena e executa com grata eficiência o que é exigido dele, mesmo que o papel esteja dentro do seu vasto repertório como ator.. 

No outro ponto, é Shannon que impressiona, com um calculismo misturado à brutalidade reprimida que intimidam até mesmo antes de receber seus poderes. Zod empolga justamente por ser um personagem fabricado para a barbárie, mas que tem uma racionalidade inerente que o acompanha. Mesmo que não demore muito para que isso se revele apenas como ferramenta para propósitos… De barbárie.

Imagem: Warner Bros., DC Comics.

Em seguida passamos a acompanhar um Clark Kent já adulto, realizando bicos e boas ações em locais isolados, carente de propósito. Goyer, assim como em seu trabalho em Batman Begins, quebra aqui a clássica estrutura da jornada do herói, que normalmente apresenta uma progressão gradual desde sua versão mais básica até seu pleno desenvolvimento como herói. Como em Batman, Goyer intercala certos eventos da trajetória de seu personagem já adulto com eventos da juventude que o influenciaram, a fim de mostrar que ele rompeu com o que lhe era esperado. 

E o que é esperado dele é justamente o anonimato, já que nessa versão o seu pai adotivo tem medo de seus poderes, e de como será o impacto deles para as todas as pessoas. Não se pode tirar a razão dele, verdade seja dita, não é fácil admitir que seu filho literalmente vai redefinir o mundo inteiro e a forma como as pessoas o veem.

Esse dilema é visto no peso que esse pai adotivo, vivido por Kevin Costner, carrega. Com um diferencial brilhante do “pai espacial”, Costner apresenta na atuação dele as mesmas características de Jor-El em humildade e caráter, mas com a diferença definidora de que este personagem está perdido (embora não possa admitir isso). Mesmo assim, Costner retrata de forma tocante o quanto o ama, e o quanto esse destino que ele sabe que será grande para o filho pode inevitavelmente separá-lo dele, como mostra na bela cena em que ele apresenta a Clark a nave que o trouxe para a terra.

Infelizmente essa cena não isenta o filme de como a trama do Jonathan Kent se encerra, numa cena tão absurda, que embora bem dirigida, não há como negar sua imbecilidade. Pontualmente, esse evento-chave do segundo ato empobrece o filme como um todo, pois atenta contra o realismo e não deixa claro por que Jonathan teve uma atitude tão extrema, já que a obra mostra várias vezes que ele não sabia o que queria para o filho. 

Logo, é muito difícil acreditar que ele estava convicto de seus ideais para tomar a decisão que tomou. E mais difícil ainda de acreditar pelo Clark ter obedecido, já que dois minutos antes, o filme mostra que ele já estava farto da indecisão do pai. Esse “vácuo” argumentativo do filme é corrigido com o retorno de Jor-El, se consolidando, como na versão de 1978, como o mentor do herói na clássica fórmula da jornada. 

A apresentação de Henry Cavill de uniforme ao abrir das portas da Fortaleza é respeitosa e impactante. Esse talvez seja o maior mérito de Snyder aqui, onde o perfeccionismo clássico e o realismo que ele preza atingem uma harmonia que realmente é sentida ao se assistir. 

Emplacado por uma trilha sonora esmerada de Hans Zimmer, que arrepia e empolga, a sequência da descoberta dos poderes dá finalmente a sensação de liberdade esperada tanto pelo personagem quanto por quem está o acompanhando. Só é questionável a decisão de Snyder de manter as cores dessaturadas e pendendo para o cinza mesmo depois disso. Me faz questionar o que ele realmente quis passar com essa escolha de cores na introdução e… Bem… Em todo o resto.

Imagem: Warner Bros., DC Comics.

O que nos leva ao ato final. As cenas de ação começam e realmente fazem jus à quantidade de poder dos personagens envolvidos, injetando muito mais ação na primeira meia hora desse ato final do que cinco Superman – O Retorno (2006) somados. Na verdade, as comparações com Dragon Ball Z não são descabidas aqui. Evidentemente é uma ação bem dirigida e conduzida. Sem confusão visual, coesa, gradativamente empolgante e casando (até demais) com a atmosfera escolhida para o filme. 

É inteligente e ousado da parte do diretor usar todos os outros personagens além do Superman para participar do conflito contra os kryptonianos, incluindo a mocinha do filme, o “pai espacial”, militares e até um cientista. E durante as primeiras cenas de ação, e a cada cena seguinte, é um esforço digno de nota de Snyder na habilidade de empolgar.

Mas eis que chega a última cena de ação. A mais duradoura, e resume o que eu disse com casar até demais a atmosfera desse filme. Na época esse foi o motivo desse filme ser divisivo e o início de uma série de decisões polêmicas tomadas por Snyder para esse universo. 

Analisando do parâmetro correto, ou seja, cinematográfico, e não de adaptação, a conclusão é que infelizmente os 30 minutos finais de O Homem de Aço fazem um desserviço ao filme todo, e dessa vez, diferente da cena com o pai de Clark, não é por causa do que é mostrado, é por causa do que está faltando.

Imagem: Warner Bros., DC Comics.

De uma destruição que beira o apocalipse sobre uma Metrópole inteira, com talvez milhões de mortos, passando pela decisão do Superman sobre os kryptonianos e o destino de Zod, a impressão que fica é que ele… Falhou. 

Falhou como protagonista, já que sempre é empurrado por situações maiores que ele, sem tempo ou oportunidades de colocar em prática os novos ideais de esperança que ele buscou por metade desse filme e que ele quer defender. Perdendo em várias frentes ao final, como é ilustrado pelo seu sofrimento ao gritar numa cena-chave. Não se sente que esse Superman tomou decisões que movesse a trama, só foi escravo de circunstâncias. 

O tempo que Snyder devota à desconstrução e ao enfrentamento das convicções que moldam esse Superman é muito maior do que aquele dedicado à sua afirmação. Essa contestação é na verdade apoiada por tudo o que Snyder coloca em cena. O cinza constante, as várias mortes, a trilha sonora triste na destruição e na luta final, tudo. O caráter do Superman em nada o ajuda na batalha final, o personagem só é desconstruído sem parar sem uma devida resposta. E a falta de qualquer expressão do próprio Superman nas cenas finais sobre todos os eventos que aconteceram, cenas que já o colocam como um herói completo, não faz sentido frente ao tamanho da contradição que ele sofreu. 

Pelo que acabamos de ver, ele tinha mais motivos para desistir de ser herói, não para assumir de vez. O que está faltando na passagem do clímax para o encerramento do filme é uma cena que demonstra que Clark ainda se sustenta como pessoa, mesmo considerando tudo em que ele falhou. Sem isso, fica muito vago qual foi seu arco como personagem. O que ele entendeu de todas aquelas experiências colossais e deprimentes? Qual pai está certo? O espacial ou o terrestre?

Assim, só nos resta esperar ver os próximos filmes para que Snyder nos responda essa pergunta, o que é muito problemático para um capítulo que deveria se encerrar nele mesmo. Sobre os atores, Henry Cavill é o rosto e definitivamente a estrela que sustenta o filme. Sua sinceridade nas expressões, fisicalidade, e carisma são tudo o que um ícone de 80 anos precisava. Até mesmo em cenas com decisões difíceis de engolir, Cavill torna as convincentes. Seu Superman tem tudo para se firmar como um sucessor digno do trabalho marcante de Christopher Reeve com a devida identidade. Amy Adams entrega uma Lois Lane básica, que fica bem aquém do potencial da atriz. E Diane Lane e Lawrence Fishburne estão também eficientes, com o carisma devido. 

Homem de Aço é um primeiro capítulo divertido, bem dirigido, dinâmico e bem atuado de uma história conhecida, embora seja excessiva e desnecessariamente agridoce. Ao meu ver, o personagem que deveria representar esperança no fim do filme não consegue passar nenhuma. 

Pelo menos a promessa constante de dias melhores para esse universo cinematográfico sempre são sustentados pelos símbolos dele. Foi interessante a tentativa de apostar no diferente, mas talvez a resposta mais segura seja abraçar a fantasia colorida que sempre acompanhou Superman. Ou talvez uma melhor atenção aos detalhes do roteiro já resolvidos.

Nota: 3,5 de 5

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