O mundo do entretenimento tem uma capacidade impressionante de perdoar — ou, ao menos, ignorar, os crimes cometidos por figuras famosas. Se um ator premiado ou um diretor renomado é acusado (ou até condenado) por crimes graves, seu status na indústria raramente desaparece por completo. Mas por quê? Por que algumas celebridades conseguem continuar trabalhando e mantendo fãs fiéis, mesmo após acusações de abuso, assédio e outros crimes?

Arte e Artista
Um dos principais fatores que protegem figuras do entretenimento é a separação entre o artista e sua obra. Muitos fãs, e até profissionais da indústria, argumentam que, independentemente das ações do indivíduo, seu talento e suas contribuições para o cinema, a música ou a TV devem ser preservadas. Esse raciocínio vem sendo aplicado há décadas, permitindo que figuras controversas permaneçam influentes.

Roman Polanski é um dos exemplos mais gritantes desse padrão. Em 1977, o diretor foi acusado de drogar e estuprar uma garota de 13 anos. Ele se declarou culpado, mas fugiu dos Estados Unidos antes da sentença e nunca mais voltou. Ainda assim, sua carreira seguiu praticamente intacta. Dirigiu diversos filmes premiados, incluindo O Pianista (2002), pelo qual ganhou o Oscar de Melhor Diretor. Sua ausência na cerimônia foi tratada quase como um detalhe incômodo, não como um indicativo de que a indústria estava premiando um fugitivo da justiça.
Décadas depois, mesmo com movimentos exigindo sua exclusão da Academia, ele continua sendo reverenciado por parte da crítica e de seus colegas. Isso demonstra como a arte pode funcionar como um escudo: quando um artista tem uma filmografia de sucesso ou um legado respeitável, muitas pessoas preferem desassociar sua obra de sua vida pessoal, minimizando a gravidade dos crimes.
O poder da influência e das relações na indústria
Outro fator importante é o próprio funcionamento da indústria do entretenimento. Grandes diretores, atores e produtores constroem redes de influência poderosas, tornando-se figuras difíceis de derrubar. Atores respeitados, como Kevin Spacey, podem se beneficiar dessa estrutura.

Em 2017, Spacey foi acusado por diversas pessoas de assédio e abuso sexual, incluindo o ator Anthony Rapp, que alegou ter sido atacado por ele quando tinha apenas 14 anos. Após as denúncias, Spacey foi demitido de House of Cards e substituído no filme Todo o Dinheiro do Mundo. No entanto, anos depois, foi absolvido de algumas acusações na Justiça e agora ensaia um retorno à carreira. Alguns fãs, e até figuras da indústria, estão dispostos a reabilitá-lo, sob o argumento de que as acusações não foram comprovadas em tribunal ou de que sua carreira brilhante merece uma “segunda chance”.
A questão aqui é: enquanto um profissional comum provavelmente teria sua reputação destruída por algo semelhante, Hollywood tem um longo histórico de acobertar e proteger seus grandes nomes. Trata-se de uma indústria construída sobre narrativas — e, muitas vezes, o próprio acusado consegue moldar a sua.
O impacto da cultura de idolatria
A relação entre fãs e artistas também desempenha um papel essencial. Existe um fenômeno psicológico chamado dissonância cognitiva, que explica como as pessoas tendem a ignorar informações que contradizem suas crenças. Quando um ator ou diretor admirado é acusado de um crime, muitos fãs entram em negação, buscando justificar ou minimizar a gravidade da situação.
Nas redes sociais, esse comportamento se intensifica. Fãs mais devotos partem em defesa de seus ídolos a qualquer custo, criando narrativas que colocam as vítimas como mentirosas ou interesseiras. Isso ocorre frequentemente em casos de abuso e assédio, nos quais as acusações são tratadas como “tentativas de destruir carreiras”, e não como denúncias legítimas de violência.
Kevin Spacey e Roman Polanski não são os únicos exemplos. Woody Allen, acusado de abuso por sua filha adotiva Dylan Farrow, continua produzindo filmes. Johnny Depp, envolvido em uma longa disputa judicial com Amber Heard, manteve uma legião de fãs dispostos a ignorar as alegações de abuso. A indústria alimenta essa idolatria porque sabe que, muitas vezes, o lucro fala mais alto do que a ética.
A importância do #MeToo e outros movimentos
Apesar desse histórico de proteção a grandes nomes, as coisas estão mudando, ainda que lentamente. Movimentos como o #MeToo ajudaram a dar mais visibilidade às vítimas de abuso e assédio, resultando na queda de figuras como Harvey Weinstein, que foi condenado e preso.
No entanto, ainda há uma diferença enorme na forma como os casos são tratados: alguns criminosos são “cancelados” temporariamente, apenas para retornarem anos depois com novos projetos e apoio de seus colegas.
A pergunta que permanece é: até quando a indústria e o público continuarão a perdoar os artistas homens? E qual é o limite entre a obra e o criador?
 
											 
								 
								 
								 
								